Mas o que está acontecendo com a música brasileira?

Júlio Vieira, da banda de rock Complexo de Vira-Lata, escreve sobre o cenário atual da música brasileira. Júlio também produz e apresenta o programa Bolovo Rock na Rádio Expedição CoMMúsica.

EXPEDIÇÃO COMMÚSICA

Júlio Vieira

10/27/20252 min ler

yellow round plastic round table
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É chocante o que os meios de comunicação de massa - rádios comerciais, TVs e plataformas de streaming – vêm fazendo com a música brasileira.

Como se a cultura nacional não tivesse uma história, gêneros musicais inteiros foram jogados no lixo. O chorinho, que é tipicamente brasileiro (já existia antes mesmo do samba), simplesmente não é tocado em nenhuma grande rádio ou TV. Morreu de morte matada. Seu pecado? Ser instrumental e ser bem elaborado.

O rock está seguindo o mesmo caminho. Não é um gênero nascido no Brasil, mas vinha se firmando na cultura do país (tal qual o futebol, que nasceu fora, mas hoje é paixão nacional). Hoje, das poucas grandes rádios que tocam rock, o espaço é quase que exclusivo às bandas internacionais ou às nacionais antigas, que firmaram espaço nos anos 80 e 90. Mas o rock feito hoje no país é ignorado pelos grandes veículos de comunicação.

A música caipira também vem sendo sacrificada. O sertanejo é falsamente vendido como continuação da caipira, mas, com uma análise um pouco mais cautelosa, percebe-se que são coisas completamente diferentes. O caipira é a música do camponês nostálgico, saudoso de uma vida simples e humilde próxima à natureza, enquanto o sertanejo é a música do dono do latifúndio, com sua SUV e seu Camaro amarelo ostentação. O sertanejo toca, a música caipira desapareceu.

O samba também está sumindo e hoje o gênero, que outrora foi a expressão máxima da cultura brasileira, quase se resume ao Rio de Janeiro. Pagode não é samba, diga-se. Não estou aqui a julgar o pagode, mas o surgimento de um não precisava ter excluído o outro.

Mas o que mais me espanta é ver que quase todas as letras das músicas que tocam na TV e nas rádios comerciais ou que são favorecidas pelos algoritmos do streaming falam exclusivamente da vida privada. Falam de "sofrência", de relacionamento, de sexo, de noitadas. Mas não discutem a vida pública. Quem hoje aborda de temas como desigualdade, pobreza, discriminação, marginalização, ou qualquer coisa que não seja falar do próprio umbigo, vai ter muita dificuldade para conseguir qualquer espaço mais expressivo, salvo que fez seu nome num passado cada vez mais distante.

Quase não há lugar nos grandes meios de comunicação para quem questiona o mundo e as regras. Não afirmo que seja uma estratégia deliberada para despolitizar as pessoas, para apequenar a capacidade de reflexão da vida em sociedade, mas afirmo que a consequência objetiva é essa. Sem moralismo, nada contra letras falarem de assuntos privados, falarem de sexo ou de festanças. O que não dá é para fingir que a existência humana se resume a isso.

Não que não haja músicas sendo feitas que vão na contramão dessa lógica. Existe sim, é a resistência, que recomendo a todos procurar. Algumas rádios alternativas, fora do circuito comercial, dão esse espaço, é preciso valorizá-las.